Mais um dia da criança em Portugal e lembro-me sempre dos meus alunos em Lichinga (2011), da excelente experiência que foi preparar toda a festa e do sucesso que foi o dia esperado.
Na tentativa de fazer passar os sentimentos que por lá cresceram, deixo aqui alguns excertos do livro Titia amanhã não vou vir, onde relato toda a minha experiência como professora numa escola de 1º ciclo no norte de Moçambique (pode ser adquirido enviando email para abrantes.sonia@gmail.com).
"Depois de várias horas, a escolher, cortar, colar e pintar,
começamos a ver os resultados dos preparativos para o dia da criança, com a
encenação das profissões, a pintura do cenário para o teatrinho "Branca de
Neve e os Sete Anões", a preparação do narrador do teatrinho, e a Branca
de Neve ainda sem cabeça e o coração do javali.
Para algumas pinturas utilizámos o exterior da sala. Um dos alunos não resistiu e pintou de verde uma parede azul da escola. Este comportamento menos próprio deu uma ideia que em princípio será realizada: a construção do mural do Dia da Criança. Assim, no dia 1 de Junho, logo após as apresentações teatrais e musicais, os alunos de toda a escolinha serão convidados a pintar o que quiserem, com a cor que quiserem na mesma parede onde este aluno pintou. Espero que seja aprovada a ideia, pois parece ficar excelente pela criatividade dos meninos e meninas dos 2 aos 10 anos, ou mais.
Para algumas pinturas utilizámos o exterior da sala. Um dos alunos não resistiu e pintou de verde uma parede azul da escola. Este comportamento menos próprio deu uma ideia que em princípio será realizada: a construção do mural do Dia da Criança. Assim, no dia 1 de Junho, logo após as apresentações teatrais e musicais, os alunos de toda a escolinha serão convidados a pintar o que quiserem, com a cor que quiserem na mesma parede onde este aluno pintou. Espero que seja aprovada a ideia, pois parece ficar excelente pela criatividade dos meninos e meninas dos 2 aos 10 anos, ou mais.
Estas actividades de expressão fazem-me
pensar que um dia estes meninos e meninas não terão necessidade de expressar a
sua criatividade em momentos violentos de guerra, como o aperfeiçoar da
utilização da catana. Para dizer não às evoluções de certa forma não
pretendidas, terão ao seu dispôr outros recursos e muita informação. Estou a
ler um livro com o título "O Papalagui, discursos de tuiavii chefe de
tribo de tiavéa nos mares do sul" e achei que uma parte se adequa ao que
aqui se passou, em Lichinga, quando o colonialismo aqui chegou e tentou mudar
mentalidades e formas de viver a vida. O livro foi escrito por um chefe de
tribo sobre o seu olhar acerca dos europeus na Europa.
Reconheçamos
a incontestável felicidade do Papalagui, frustremos as suas tentativas de
construir, ao longo das nossas margens banhadas pelo sol, os seus baús de
pedra, e de destruir a nossa alegria com pedras, gretas, sujidade, barulho,
fumo e areia, como é seu desejo fazer.
Papalagui
quer dizer branco, os baús de pedra
são as nossas casas e prédios, as gretas
são as portas que temos para entrar em todas as casas e dentro das próprias
casas, a sujidade é tudo o que
podemos imaginar que vamos comprar aos supermercados e afins, o barulho é especialmente dos transportes
e música de rádio.
Já não são tribos, mas a herança deixada pelo colonialismo não tem os efeitos que eram pretendidos. Deixou a memória de que são vistos como povo inferior, deixou a certeza que quem é alfabetizado é superior mesmo não sabendo em quê, deixou o desejo de sair daqui para viver como os europeus dizem ser melhor, deixou a vontade ficar cá e ser exactamente como são desde os primórdios sem evolução para o que não lhes interessa. Terceiro mundo? Cada vez mais ambíguo este conceito..."
Já não são tribos, mas a herança deixada pelo colonialismo não tem os efeitos que eram pretendidos. Deixou a memória de que são vistos como povo inferior, deixou a certeza que quem é alfabetizado é superior mesmo não sabendo em quê, deixou o desejo de sair daqui para viver como os europeus dizem ser melhor, deixou a vontade ficar cá e ser exactamente como são desde os primórdios sem evolução para o que não lhes interessa. Terceiro mundo? Cada vez mais ambíguo este conceito..."
"A
preparação do Dia da Criança está decorrer sem sobressaltos, até porque os
alunos deliram com qualquer promenor. Por exemplo, “Titia, o príncipe matou-se”
o que servia para me avisar que o príncipe ficou sem cabeça. As profissões não
estão a 100%, mas o que é perfeito? Nada. Desde que eles façam o que lhes der
mais interesse e os torne mais activos e com aprendizagens significativas, por
mim está bom."
"Quando começaram os preparativos
para a festa de comemoração do dia da criança os alunos tiveram oportunidade de
cantar e dançar várias músicas e escolher uma sequência que incluía música de
entrada e uma de saída, tudo organizado pela Isaura. Fiquei contente ao
aperceber-me que os alunos escolheram a dança do Mogli para a saída. E assim
aconteceu no dia, orgulhosamente saíram ao som das suas vozes e com os gestos
adequados. Foi surpresa para a plateia pois ninguém tinha visto esta dança.
Ainda hoje ouço alunos de outras turmas a cantarolar a música."
"A festa
de comemoração do dia da criança correu melhor do que eu esperava, pelo menos
para a 2ª classe. As profissões foram o auge, pois os alunos falaram alto e com
convicção do que queriam dizer. O teatrinho dos fantoches não correu tão bem
pois os alunos baralharam um pouco os bonecos, mas o Ebraim, como narrador, leu
muito bem. Tão bem que até a mãe do Ettor depois veio ter comigo para pedir
esclarecimento do porquê do seu filho não saber ler como o Ebraim. Lá lhe
expliquei que deve ler muito em voz alta em casa. Mas acrescentei que não se
deve preocupar muito pois a maioria dos alunos está ao nível dele. Sobre as
danças e músicas, foi bom mesmo sem ter os fatos do museu pois a direcção da
cultura não autorizou. Mesmo assim, cantaram e dançaram sem vergonha. Posso
dizer que me orgulhei deles. O Abdala e o Herson faltaram à festa, como é
normal com eles, pois são alunos que fazem bem os testes e fichas, mas o
sentido de assiduidade e responsabilidade não está muito presente... No final
demos um saquinho a cada um com prendinhas. O Nilson delirou com o carrinho
pequeno de plástico amarelo que lhe calhou. Fartou-se de gabar o carrinho que a
Tia Marta lhe deu, muito embora ele saiba que foi o projecto e não eu
pessoalmente."
Bom Dia da Criança!
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