segunda-feira, 28 de março de 2011

Ideias que marcam

Tenho ouvido várias teorias sobre este país, cada uma apresentando uma perspectiva diferente e todas válidas, pois são sentidas na primeira pessoa.
Uma delas é a comparação da cultura dos países frios com os animais que vivem neles e a comparação da cultura dos países quentes com os animais que lá habitam.
Nos países frios, os animais sabem que há uma época em que não encontram alimento pois está frio, então recolhem tudo o que precisam e guardam, pois mais tarde irão precisar. Desta forma, não passam fome mesmo na época em que não há alimento.
Nos países quentes, os animais como a cigarra, não se preocupam com o alimento, pois sempre que cantam e sentem fome, comem tendo à sua disposição alimento. No dia em que não encontram alimento por algum motivo, esperam pelo dia seguinte e assim sucessivamente, até que morrem à fome, pois o alimento não "foi ter com eles".
A cultura de cá é a dos países quentes. As necessidades sentidas são as do dia-a-dia, sem pensar no futuro ou em projectos.
Há quem diga que desta forma não há stress. Mas pergunto-me, viver com stress ou viver na miséria e morrer de fome?
Claro que isto são situações extremas, mas é mesmo dos extremos que estou a falar, pois são os que aqui existem.
Interessa alimentar agora, por isso trabalhamos o suficiente para o agora.
Desta ideia questionamos a importância da escolaridade... Pelo menos para alguns, pois nem todos pensam da mesma forma, ainda que consigam viver com esta cultura.
A alternativa seria uma aprendizagem funcional, algo que se aprende para se por em prática de forma produtiva e como sustento.

domingo, 27 de março de 2011

Experiências cruzadas

Para quem conhece este livro e toda a envolvência que o acompanha, sabe que é um bom instrumento para o processo de ensino-aprendizagem.
O que eu nunca tinha pensado é que o encontraria aqui em Lichinga e que ele seria tão bem aceite pelos alunos.
Mas, pensando bem, até tem lógica...
Se aqui se vive muito mais próximo da natureza, as crianças identificam-se mais com esta história.
A cara de pânico ao ouvir que o tigre gosta de meninos e não é para brincadeiras, espelhou a atenção a toda a história. A poucos km daqui há tigres à solta...
Quando se tem uns anos e bem vividos como escuteira, no Agrupamento 371 da Baixa da Banheira onde aproveitam bem os recursos à disposição para fazer um bom trabalho educativo, a tendência é utilizar a "bagagem" para encaminhar melhor a aprendizagem dos alunos.
Estes meninos já conhecem a dança do Mogli e irão aprender mais.
Por muitos estudos que façamos, não há como a nossa própria experiência para nos dar os recursos que nos "salvam" de caminhos que poderiam ser piores.
Desta forma, cruzo experiência escutista com experiência académica. Prática informal com teoria formal.
E o resultado está a ser bom!

sábado, 26 de março de 2011

Embondeiro ou baobá

E como educar não é só conviver com os alunos, fomos passear até ao Lago Niassa, que quer dizer Lago Lago, pois a palavra Niassa quer dizer Lago. Neste dia recarregámos baterias e enriquecemos a alma com esta paisagem, cultura e gentes.
Por mais fotografias que se tire, é impossível transmitir qual é a sensação de estar perto de um embondeiro.
Numa das fotografias estou eu, como os meus 1,64 metros ao lado de um embondeiro.
Agora percebo porque foi inserido na história de "O Principezinho".

Carro de arame

Cá estão as obras de arte construídas pelos meninos de uma terra chamada Metangula, perto do Lago Niassa.
Esta fotografia, tirada pela Júlia, foi pedida aos proprietários das viaturas que, orgulhosamente, mostraram as suas construções.
Fazem também carros de caniço e outros brinquedos estupendos!

As gomas vindas de Portugal

A alegria de receber é sempre muita, mas quando se recebe um doce com forma de urso, parece que explodem de felicidade!
Aos meus colegas da Universidade Aberta e à minha mãe, que se juntaram para comprar material escolar e didático para estes meninos, deixo aqui o meu muito obrigado!
Os alunos exprimiram grande agrado especialmente para as gomas, que antes de serem comidas foram alvo de brincadeiras. Alguns até esconderam os dois ursinhos... "Sabe-se lá quando é que aparecem mais, deixa lá guardar", devem ter pensado!
Não sei se é anti-pedagógico ou não, mas a inspiração para a matemática enquanto comiam as gomas foi produtiva!
Enquanto referia cada material recebido, era seguida de um "Eh!" em coro, mesmo eles sabendo que esse material é para aprender e não apenas para brincar.
Não sei como é que eles pensam sobre Portugal, mas parece-me que sentem que podem contar connosco. Só entrando naquelas cabecinhas que transmitem um olhar misterioso é que poderiamos saber.

sexta-feira, 25 de março de 2011

"À Espera"


Esta obra mostra-nos duas mulheres moçambicanas na noite da grande lua cheia, sentadas à espera dela.
Foi com grande surpresa e agrado que recebi este belo presente da minha colega Isaura Rosa.
Como uma verdadeira artista, inspirou-se na lua e na experiência que estou a viver e pintou este quadro magnífico!
A terra daqui é mesmo cor-de-laranja avermelhado. As mulheres têm por hábito sentarem-se desta forma e até utilizam a expressão "Vou ficar sentada só, em casa." quando estão desempregadas. E as suas roupas têm as cores vivas e fortes que vemos pintadas.
Muito obrigado, Isaura! Tens um belo dom!

quinta-feira, 24 de março de 2011

O reverso do carinho

Quando sentimos que um menino procura carinho a resposta espontânea é dar-lhe esse carinho.
Mas quando questionamos porquê esta necessidade incansável, ficamos a conhecer o reverso do carinho.
Todos os dias ao chegar sou acolhida por um aluno. Todos os intervalos esse aluno pede para ficar na sala a ler ou a jogar comigo e com mais nenhum colega. Quando saio no final das aulas, todos os dias esse aluno me diz "Até amanhã, titia", com um grande sorriso.
Apesar das crianças daqui serem bastante dadas e carinhosas, este menino sai fora do padrão.
Porquê?
Porque tinha uma família como poucas cá, com pai e mãe que se gostavam e mais 3 irmãos todos do mesmo pai.
Todos acarinhados pelos pais, especialmente pelo pai que os acompanhava sempre.
Utilizo o tempo verbal no passado porque o pai faleceu há quase 2 anos, vítima de sida.
Como terá ficado esta criança de 7 anos agora, desde que viu o seu modelo de vida desaparecer?
O que sentirá este menino cada vez que uma titia de Portugal vier cheia de carinho para dar, e depois se for embora para nunca mais voltar?
Vale a pena dar o carinho todo que ele merece para depois o deixar com a dor que não merece?
Vai chegar o dia em que ele não poderá dizer "Até amanhã, titia".
Como lidar com esta vontade de querer dar, porque foi isso que vim cá fazer, e lidar com a certeza de que ele merece ficar bem?
Há dias em que as perguntas pairam na tentativa de encontrar a melhor resposta.

terça-feira, 22 de março de 2011

Aula de música



Palavras para quê?
Estas crianças têm o ritmo a passear nas veias.
Pegam num instrumento e dali fazem música.
Cantamos uma música nunca acompanhada por instrumentos e eles conseguem entrar no ritmo sem qualquer problema.
Até criam ritmos diferentes e dançam de imediato ao som do que criam.
E ficam felizes só por tentarmos acompanhar o que fazem!

segunda-feira, 21 de março de 2011

Compra de material escolar


Apesar das dificuldades sentidas quanto ao material escolar, não podemos dizer que aqui em Lichinga não há papelarias.
Para além das papelarias mais parecidas com as ocidentais, temos também as mais baratas e compensatórias: o mercado.
O mercado, para além de alimentos, tem barracas de material de todo o tipo. Um verdadeiro shoping!
Peças de serralharia, drogaria, vestuário, calçado, música, filmes, entre outros, incluindo papelaria, como vemos na fotografia.
Os corredores entre estas barracas são todos como este que vemos, e até mais estreitos.
Todas as barracas têm sistema de fecho, com cadeado.
Como disse, um verdadeiro shoping, e acredito que até tenha mais lojas que o próprio shoping.
O que não é muito favorável, mas é com o que temos que contar, é a qualidade do material...
Ao apagar lápis do caderno, lá vemos a folha rasgada. Ao afiarmos o lápis, logo ficamos sem o bico pois este parte-se. Cadernos quadrículados, pura e simplesmente não existem.
Por esta e por outras razões, quero aproveitar para agradecer o material que tem chegado de Portugal.
É uma ajuda preciosa! Mesmo que pequena faz uma grande diferença.

sábado, 19 de março de 2011

Tempos livres



Como qualquer cidadão do mundo, a população de Lichinga também tem tempos livres, mas passa-os de forma diferente.
Algumas crianças brincam da forma que conhecemos, como "jogar game", como eles dizem.
Outras brincam em contacto directo com o meio, sem qualquer televisor ou outro aparelho, como vemos na fotografia.
Outras ainda durante os seus tempos livres, ou seja, o tempo que não estão na escola, aproveitam para ajudar as mães.
Neste caso, estes dois meninos e estas senhoras carregam madeira que sobrou de uma serração, para se poderem aquecer em casa, explicaram elas.
Andam com este peso cerca de uma hora, segundo informaram...
E assim está feito o descanso para preparar para mais uma semana de trabalho!

quarta-feira, 16 de março de 2011

A infância


Durante os jogos que realizámos no Carnaval, estavam estas crianças a observar tudo ao detalhe, como quem aprende com o olhar.
Estas crianças nascem e crescem em condições mínimas, sem sentir falta de mais porque, pura e simplesmente, não conhecem.
Ao ver meninos da escolinha com máscaras, ficaram surpresas e observaram como nos organizámos e jogámos.
Primeiro estavam escondidos no meio do capim ou atrás uns dos outros, mas depois começaram a integrar-se até que acabaram por se juntar à nossa roda do peixinho, talvez sem perceber o que se passava, mas com olhar muito atento e sem dizer uma palavra, pois muitos falam apenas jaua, macua ou outro dialeto.
Tal como elas perante nós, nós também ficamos surpresas e muito admiradas pela capacidade que estas crianças têm em construir os seus próprios brinquedos.
Pela capacidade de brincarem apenas com as flores que apanham do chão, fazendo coroas e outros artefatos magníficos, como carros de caniço e arame, rodas controladas com paus, etc.
Ainda não tive coragem para lhes pedir para tirar uma fotografia... É um mundo tão delas... Ou se calhar é apenas uma complicação minha e elas até adorariam ser protagonistas da nossa história e experiência de vida.
Com nada, fazem tanto!

sexta-feira, 11 de março de 2011

Materiais manipulaveis


Qualquer estudante para professor de hoje sabe as vantagens que há em utilizar materiais manipulaveis, principalmente em conteúdos mais complexos e de difícil compreensão, como é o caso da subtração.
Então, como fazer com estes alunos que estudam numa escola que está numa cidade onde não há esses materiais?
Depois de uma produtiva conversa no skype com uma colega minha da Universidade Aberta (sim, Inês, és tu ;)), fiquei a perceber que eu estava a complicar.
Se não há materiais fazemos!
E como fazer se não há recursos financeiros para comprar material para a construção?
Cartões velhos cortadinhos aos bocados, como os que vemos nas fotografias.
Agora sim, com os cadernos quadriculados que temos recebido dos anjos de Portugal e com os cartões de papelão, os alunos já estão a começar a interiorizar o conceito de subtração.
Estranho é aperceber-me que os cartões são cobiçados por todos os alunos...
Como fazer quando temos apenas 200 cartões e os alunos são 37?
Fazemos mais cartões e/ou ensinamos que conseguem trabalhar em conjunto, trabalhos de grupo onde os alunos trabalham todos para um mesmo fim.
Para além do conceito de subtração, temos que parar para explicar o conceito de trabalho de equipa, pois também não é uma prática muito usual por aqui...

quarta-feira, 9 de março de 2011

Pintura dos trabalhos em barro

Cá está um exemplar do barro pintado!
O final do trabalho será depois da colagem dos cartões com a mensagem para o dia do pai.
Claro que, aqueles alunos que não têm pai ou mãe a quem dar o presente, poderão dar a qualquer familiar ou encarregado de educação que faça esse papel.
Esta atividade, para além da modelagem e pintura em barro, desenvolve a escrita e também o sentido de família que alguns de nós temos que ultrapassam os laços de sangue.

Carnaval em Lichinga

Como em alguns locais no mundo, aqui em Lichinga não se vive o espírito de folia do Carnaval, com as máscaras e a música.
Para criar mais uma oportunidade diferente das crianças desenvolverem competências que de outra forma seria difícil, decidimos construir cada um a sua máscara e organizar jogos de corda, bola, estafeta e sacos, onde os alunos das 3 classes conviveram num ambiente de festa.
Depois dos jogos, os alunos da 2ª Classe foram convidados a fazer um desenho sobre o carnaval.
Talvez sem surpresa para nós, em vez de máscaras, desenharam campos de jogos e muitas pessoas reunidas.
Apesar de lhes ter sido explicado o significado do Carnaval e como é vivido noutros países, estas crianças assimilaram aquilo que viveram e para eles o Carnaval passou a ser um dia com jogos diversos onde podem usar máscaras.
Pelo menos deixámos mais uma janela da imaginação aberta, mais uma abertura para o que se passa pelo mundo.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Doenças

O título podia ser "Parasitas", mas como tenciono acrescentar comentários a este post, caso surjam aspetos sobre doenças das quais quero ter registo, optei pelo apresentado.
A fotografia (tirada pela Titia Júlia) apresenta um pé de uma criança com 2 anos de idade que tem como parasita uma pulga penetrante, mais conhecida por mataquenha.
Pelos vistos é frequente que estas pulgas penetrem há mais pequena oportunidade e se acomodem dentro da pele, reproduzindo-se e crescendo.
Como saber se temos mataquenha?
Para além da comichão que dá, devemos ir verificando se não aparecem pontinhos escuros rodeados de branco no sítio da comichão ou lá perto.
Pode acomodar-se especialmente nos pés e mãos, por baixo das unhas.
O tratamento parece ser só para quem consegue fazê-lo, pois tem que se cortar/raspar a carne que está contaminada pela pulga e retirar tudo o que está a mais, colocando por cima um género de ácido que corroi para a pulga não se repoduzir, e repetir até estar bom.
Se se esmaga a pulga apenas, corre-se o risco de ficar com resíduos (ovinhos) e continuar a reprodução...
Pelos vistos o tratamento que parece cruel não dói, pois a criança da fotografia não se queixou... Talvez porque a carne estivesse podre e como se já não fosse dele...

A doença que também parece ser frequente por aqui é a "tinha", cujo aspeto são manchas brancas na pele seca. Então vemos alunos com manchinhas brancas na cabeça, cabeças essas onde não convém tocar, pois a tinha contagia-se pelo toque.
Estamos perante "A tinha do couro cabeludo é causada pelo Trichophyton ou por outro fungo chamado Microsporum. [...] é altamente contagiosa, especialmente entre as crianças. Pode provocar uma erupção vermelha descamativa bem mais pruriginosa, ou então placas de calvície sem erupção." retirado de http://www.manualmerck.net/?id=228&cn=1855
O tratamento para a tinha parece simples, pois resume-se a colocar durante 7 a 10 dias uma pomada própria para o efeito, e esperar que passe.

Um intervalo diferente

Depois da entrega do esqueleto, os alunos decidiram ler em voz alta, cada um com o seu livro, para o novo membro da escola.
Ao serem convidados a escrever notícias no jornal de parede da sala de aula, os alunos aproveitaram para explicar a entrada do esqueleto.
Uma das frases escritas a seu respeito foi: "Com o esqueleto aprendemos a ler bem."
Deduzo que seja pelos intervalos que alguns alunos passaram a ler em voz alta por vontade própria!